Ao
longo das investigações que culminaram na Operação Carne Fraca,
deflagrada hoje (17) de manhã, a Polícia Federal (PF) descobriu que os
frigoríficos envolvidos no esquema criminoso “maquiavam” carnes vencidas
com ácido ascórbico e as reembalavam para conseguir vendê-las. As
empresas, então, subornavam fiscais do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento para que autorizassem a comercialização do
produto sem a devida fiscalização. A carne imprópria para consumo era
destinada tanto ao mercado interno quanto à exportação.
“Tudo isso nos mostra que o que interessa a esses grupos corporativos na
área alimentícia é, realmente, um mercado independente da saúde
pública, independente da coletividade, da quantidade de doenças e da
quantidade de situações prejudiciais que isso [a prática criminosa]
causa”, afirmou o delegado federal Maurício Moscardi Grillo, em
entrevista coletiva no fim da manhã, na sede da PF em Curitiba. Também
participaram da coletiva o superintendente da corporação, Rosalvo
Ferreira Franco, o delegado Igor Romário de Paula e o auditor da Receita
Federal Roberto Leonel de Oliveira Lima.
Algumas das maiores empresas do ramo alimentício do país estão na mira
da operação, entre as quais a JBS, dona de marcas como Big Frango e
Seara, e a BRF, detentora das marcas Sadia e Perdigão. A Justiça Federal
no Paraná (JFPR) determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão das empresas
investigadas, que também são alvo de parte dos mandados de prisão
preventiva, condução coercitiva e busca e apreensão expedidos pela 14ª
Vara Federal de Curitiba.
Moscardi disse ainda que parte do dinheiro pago aos agentes públicos
abastecia o PMDB e o PP. A Polícia Federal não identificou, no entanto,
os políticos beneficiados pelo esquema, nem a ligação entre os
funcionários do Ministério da Agricultura e esses partidos. “Não foi
aprofundado porque o nosso foco era a saúde pública, a corrupção e a
lavagem de dinheiro”, explicou o delegado.
A PF também informou ter interceptado um telefonema entre o ministro da
Justiça, Osmar Serraglio, e o ex-superintendente do Ministério da
Agricultura no Paraná Daniel Gonçalves Filho – um dos investigados pela
corporação. A Polícia Federal informou que não identificou, no entanto,
ação criminosa por parte de Serraglio, que à época do telefonema era
deputado federal. “Por cautela, no entanto, foi necessário fazer esse
informe aqui para não sermos questionados”, disse Moscardi.
Investigação
A Operação Carne Fraca é resultado de dois anos de investigações e foi
divulgada pela PF como a maior realizada na história da corporação. Mais
de 1,1 mil policiais federais cumprem 309 mandados em sete unidades
federativas: São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. Além das empresas que participavam
do esquema, a operação tem como alvo os fiscais do Ministério da
Agricultura que se beneficiaram do recebimento de propina e de vantagens
pessoais para liberar a venda da carne imprópria para consumo. Além do
repasse de dinheiro, os agentes públicos recebiam como propina produtos
alimentícios das empresas, segundo a PF. Alguns, inclusive, já estariam
começando a reclamar da qualidade dos alimentos que ganhavam para fazer
vista grossa na fiscalização.
O delegado Maurício Moscardi ressaltou que a responsabilidade pelos atos
criminosos é compartilhada por empresários e agentes públicos. “Não
havia uma relação de extorsão, mas sim de benefício e de alimentação
mútua entre eles. Os empresários também incentivavam e se sentiam
próximos desse esquema; eram corruptores”, afirmou.
Dentro do Ministério da Agricultura, a PF descobriu que os funcionários
envolvidos promoviam remoções (transferências) de fiscais para garantir a
continuidade do esquema criminoso. A investigação começou, inclusive,
depois que um fiscal se recusou a ser removido ao descobrir fraudes em
uma das empresas envolvidas.
Outro lado
Um dos alvos da Operação Carne Fraca, o grupo JBS destaca, em nota
oficial, que adota “rigorosos padrões de qualidade” para garantir a
segurança alimentar de seus produtos. “A companhia repudia veementemente
qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos –
seja na produção e/ou comercialização – e se mantém à disposição das
autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento
dos fatos”, diz o texto.
Segundo a empresa, a ação deflagrada hoje atingiu três unidades da
companhia – duas no Paraná e uma em Goiás. A JBS ressalta que “não há
nenhuma medida judicial contra os seus executivos”.
A BRF informou, em nota, que está colaborando com as autoridades para o
esclarecimento dos fatos. Segundo a empresa, não há risco para os
consumidores. “A companhia reitera que cumpre as normas e regulamentos
referentes à produção e comercialização de seus produtos, possui
rigorosos processos e controles e não compactua com práticas ilícitas. A
BRF assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que
não há nenhum risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais
de 150 países em que atua.”
Também em nota oficial, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, diz
que, diante dos fatos narrados na operação, decidiu cancelar a sua
licença de 10 dias do ministério. “Estou coordenando as ações, já
determinei o afastamento imediato de todos os envolvidos e a instauração
de procedimentos administrativos”, informou. “Todo apoio será dado à PF
nas apurações. Minha determinação é tolerância zero com atos
irregulares no ministério”, acrescentou.
Segundo Blairo Maggi, a apuração da PF indica que os envolvidos no
esquema ilegal praticaram “um crime contra a população brasileira”, que
deve ser punido “com todo rigor”. “Muitas ações já foram implementadas
para corrigir distorções e combater a corrupção e os desvios de conduta,
e novas medidas serão tomadas.” Para o ministro, no entanto, é preciso
separar “o joio do trigo” durante as investigações.
O Ministério da Justiça também divulgou nota depois que a operação foi
deflagrada. O texto afirma que a menção ao nome de Osmar Serraglio na
investigação é uma prova de que o ministro não vai interferir no
trabalho da Polícia Federal. “A conclusão, tanto do Ministério Público
Federal quanto do juiz federal, é que não há qualquer indício de
ilegalidade nessa conversa degravada”, ressalta a nota. O PMDB, citado
pela PF como suposto beneficiário de parte da propina, diz que
“desconhece o teor da investigação, mas não autoriza ninguém a falar em
nome do partido”. O PP, também apontado pela investigação como
destinatário do dinheiro, ainda não se manifestou sobre o assunto.
Repercussão
No final da manhã, a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA) emitiu nota oficial assinada pelo presidente da
instituição, João Martins da Silva Júnior. No texto, a entidade defende a
apuração dos fatos envolvendo frigoríficos e fiscais agropecuários e
que, uma vez comprovados, possam levar à punição exemplar dos
envolvidos. A nota da CNA diz ainda que os produtores rurais brasileiros
têm dado “grande contribuição ao desenvolvimento nacional” e afirma não
ser justo que eles tenham a imagem “maculada pela ação irresponsável e
criminosa de alguns”.
Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais
Agropecuários diz que apoia a ação da Polícia Federal. “A operação está
alinhada aos objetivos de auditores fiscais federais agropecuários no
sentido de aprimorar a inspeção de produtos de origem animal no Brasil”.
Segundo o sindicato, as denúncias constam de processo administrativo
que tramita no Ministério da Agricultura desde 2010.
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